O Projeto Mais Bonito do Século


O Ano de 1998 foi marcado na história da América Central e do Caribe como um dos mais dolorosos e tristes: a região foi vitimada por furacões e ciclones de incríveis magnitudes.
Durante os dias 21 de setembro ao 1º de outubro a área foi atingida pelo furacãoGeorges, que foi responsável por abundantes chuvas, deixando mais de 600 mortos, sobretudo na República Dominicana e Haiti.
Nesses dois países mais de 300 mil pessoas perderam suas residências pelos fortes ventos.
Os danos na região caribenha e centro-americana se calcularam nas cifras de dezenas de bilhões de dólares.(¹)

Apenas começado os cálculos das perdas materiais e humanas, no dia 22 de outubro, um novo furacão, muito mais agressivo, nomeado Mitch, se abateria sobre a área e causaria danos muito maiores.
Durante exatamente quatorze dias ‘Mitch’ varreu a América Central, tornando-se tristemente célebre pelos funestos recordes que rompeu: foi o furacão que mais tempo manteve-se em categoria cinco, a máxima na escala de Saffir-Simpson. Foi também o segundo furacão em mortandade em toda a história (¹).

Os danos materiais foram igualmente gigantescos, tanto que o presidente hondurenho da época declarou que havia sido “destruído cinqüenta anos de progresso”.

Em Honduras, 25 cidades e povoados simplesmente desapareceram, sendo completamente destruídas estradas e pontes. Um aproximado de 70 a 80% de todos os cultivos do país.
Na Nicarágua as danificações não foram menores, mais de 350 escolas, 90 centros de saúde, 24 mil casas, 70% das estradas do país, 71 pontes, afetações na agricultura e a morte de pelo menos cinqüenta mil animais, sobretudo bovinos. (²)

Ambos os furacões, como se é de imaginar, também afetaram a Cuba, destruíram mais de duas mil vivendas e danificaram mais de 40 mil; afetaram a agricultura, as safras dos principais produtos cubanos. Atingiu a pecuária, danos nas redes de comunicações e elétricas, prejuízos incalculáveis e outras inúmeras dificuldades e perdas.
Porém o sistema cubano de proteção contra desastre evitou o que foi regra em todos os países centro-americanos e caribenhos: a morte de milhares de seres humanos que deixou na América Central o terrível saldo de dez mil mortos e outros dez mil desaparecidos (¹).

Frente a lutuoso quadro, Cuba, sem perder um minuto, enviou centenas de seus médicos para ajudar na recuperação dos países afetados, o primeiro avião de ajuda médica internacional que desembarcou em Honduras era um avião cubano (³), lá chegaram para atender as vítimas, aos enfermos, apóia-los psicologicamente, compartilhar suas dores, levar a esperança, o braço amigo, tratá-los, curá-los, eliminar focos de doenças como dengue, malária e cólera (²) que estavam surgindo através da passagem de danosos furacões e que, sem a ajuda dos cubanos, teriam elevado o já arrepiante número de vitimas.
O trabalho dos médicos cubanos, amplamente reconhecido e aplaudido pela comunidade internacional, evidenciava-se novamente, e lembre-se que tudo isso foi, como de praxe, ignorado pela grande mídia.
Os cubanos chegaram às regiões mais afetadas, mais distantes, mais pobres, mais carentes, mais danificadas e ali deram, novamente com o exemplo, uma aula de solidariedade.

Porém um fato preocupava os cubanos, e era que em determinadas situações catastróficas se impossibilitam à chegada de qualquer ajuda, destruição de estradas e pontes que inutilizam a via terrestre, fortes ventos e chuvas que não cessam e impossibilitam a via aérea.
Na passagem de Georges e Mitch essas situações ocorreram e milhares de pessoas na América Central não contavam com nenhum médico.

Buscando soluções para melhorar e efetivar cada vez mais o atendimento médico frente a esses episódios, Fidel Castro alvitra primorosamente a idéia de formar em Cuba os jovens dessas comunidades que careciam de médicos para que, voltassem e trabalhassem com seu povo. Dessa forma, com esses antecedentes de mortíferos furacões, da ajuda das brigadas médicas cubanas, do internacionalismo cubano é que em menos de um ano após o sucedido, no dia 1º de março de 1999 nascia a Escola Latino Americana de Medicina - ELAM.

Uma vez graduados em Cuba e voltando às suas comunidades, onde sempre residiram, eles garantiriam atendimento, prevenção e terapêutica de enfermidades e com a vantagem de já estarem lá em caso de isolamento por algum fenômeno natural, já conheceriam os problemas e dificuldades, os moradores e o terreno e assim poderiam atuar de forma muito mais efetiva frente a alguma catástrofe, alem de que a ELAM também estaria dando a oportunidade a jovens que sequer suspeitavam que um dia tivessem a oportunidade de ingressar em uma universidade, muito menos que seriam médicos, esses jovens se convertem em recursos permanentes de saúde.

Inicialmente a idéia era graduar quinhentos jovens do Caribe e da América Central, por ano, durante dez anos, brindando no total, cinco mil bolsas de estudo para a carreira de medicina.
Afortunadamente o projeto cresceu e se ampliou. Multiplicaram-se as bolsas e os países favorecidos, os que seriam cinco mil bolsistas em dez anos agora serão vinte vezes mais, cem mil no mesmo tempo, o número vai aumentando até alcançar as dez mil vagas anuais (4).

Os países beneficiados também se multiplicaram e atualmente recebem as insignes bolsas jovens de toda a América Latina, África, Ásia e inclusive dos Estados Unidos.
As bolsas são enviadas as embaixadas cubanas nos respectivos países, elas se encarregam de distribuí-las, portanto cada país tem um processo de seleção com características próprias ainda que mais ou menos similares.

No Brasil, a embaixada divide as bolsas entre partidos políticos de esquerda, de centro e de direita, aos movimentos sociais, a orfanatos, aos moradores de favelas e bairros pobres, aos indígenas, aos jovens trabalhadores, camponeses, operários, intelectuais entre outros.
Um dos requisitos para ser contemplados pela bolsa é ter origem humilde, de baixa renda e não possuir condições de estudar medicina no Brasil.

Essas bolsas garantem ao estudante que as recebe: moradia, alimentação, materiais de higiene, livros de estudo, uniformes, uma ajuda de custo mensal, etc. São bolsas de estudo integrais inteiramente financiadas por Cuba como expressão do seu internacionalismo e de sua alma popular.

O projeto já cumpriu mais de uma década de existência, as histórias dos formados são inúmeras e emocionantes, por exemplo, os Garífunas, grupo de descendência africana que assimilou grande parte dos costumes dos ameríndios e vivem hoje em sua maioria nas costas de Honduras, que em suas parcas vidas não tinham visto médico algum, agora vêem seus próprios filhos graduando-se em Cuba e voltando para atendê-los, transbordados de alegria e emoção pela novidade, não vacilam em afirmar que a ELAM é o “projeto mais bonito do século” e retribuindo o carinho, assim a batizaram.

 Marcus Dutra Zuanazzi, brasileiro, médico formado na Escola Latino Americana de Medicina.


(¹) http://es.wikipedia.org/wiki/Temporada_de_huracanes_en_el_Atl%C3%A1ntico_de_1998#Hurac.C3.A1n_Georges
(²) National Climatic Data Center (2004). Mitch: The Deadliest Atlantic Hurricane Since. Consultado em 2006-04-25. (http://lwf.ncdc.noaa.gov/oa/reports/mitch/mitch.html)
(³) http://www.granma.cubaweb.cu/secciones/alba/int/2integ04.htm
(4) http://www.cuba.cu/gobierno/discursos/2005/por/f190905p.html

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