A minha viagem e meus estudos sobre a República Popular Democrática da Coreia(Coreia do Norte) praticamente me forçam a escrever sobre este país. Fiz este singelo texto tendo como base algumas discussões com amigos e objetivando fomentar o debate sobre as relações sociais que predominam na Coreia do Norte, além de desmistificar algumas questões correntes. A análise é feita do ponto de vista do materialismo histórico. Os problemas lançados serão abordados com maior profundidade em outros textos. As fotos foram tiradas por mim mesmo.
Muitos dizem que os sistema coreano fracassou, estagnou e que o sul-coreano é um sucesso. O que você tem a dizer sobre isso?
O que você pensa do Partido dirigente, o Partido do Trabalho da Coreia, e de sua ideologia?
O Partido do Trabalho da Coreia não é um Partido marxista. Também não é um Partido Comunista tradicional. O Partido surgiu de uma união entre organizações que abarcava "toda a nação", incluindo a burguesia nacional e o campesinato, não como destacamento de vanguarda do proletariado.
O Partido foi formado majoritariamente por camponeses pobres, pequenos proprietários, e facção guerrilheira de onde eles vieram dominou o Partido rapidamente, se sobressaindo em relação aos provenientes de organizações comunistas(dos quais membros-chave seriam expurgados) - a pequena-burguesia como classe sozinha é impotente e sua ação como tal é sempre a serviço da burguesia, ou seja, temos aqui um movimento caracterizado por um nacionalismo burguês progressista(até então). O problema é que a burguesia nacional coreana era(e é) muito frágil, e desse problema surgem uma série de contradições, os beneficios para a vida dos trabalhadores, a opção pelo socialismo etc - se identificaram com os interesses das massas de trabalhadores. Os quadros não estudam o marxismo, só são obrigados a estudar a Ideia Juche e o pensamento de Kim Il Sung. Não tem um método de análise, se vê armado somente com uma sólida ideologia - o que tem suas vantagens e desvantagens - formada por uma série de valores um tanto quanto vagos. Por exemplo, Kim Jong Il fala em "O Socialismo é uma Ciência" que "a essência da política sob o socialismo é o amor e a confiança", que o partido é uma "mãe benevolente" - isso não são principios ou rigidas orientações programáticas que guiam a política e sim uma série de valores mal-definidos que permeiam a mesma, ideologia pura. "Amor e confiança" não substituem a consciência política, a vanguarda como destacamento avançado do proletariado. Apesar da crítica ao marxismo não ser uma negação declarada, por fim ela acaba fazendo o mesmo de "peça obsoleta", falam das limitações do materialismo histórico como se a Ideia Juche fosse um método que tornasse o mesmo supérfluo. Os membros do Partido são selecionados somente com base nos critérios de máxima lealdade e máxima disciplina possíveis. E ter um "background político" bom e um número de façanhas que permitam a entrada no Partido garante beneficios materiais, o que afinal acaba sendo um incentivo apesar da disciplina(quanto mais leal, mais disciplinado, mais confortável) -se não são militantes fanáticos podem ser burocratas domesticados, carreiristas dedicados. Em um discurso de encerramento de uma plenária do Comitê Central(em 17/2/1975) Kim Il Sung afirmou que o Comitê Central deve ter "uma vontade e uma mente" com o Secretário Geral e que o o "espírito do Partido" se traduz na lealdade ao líder. Nesse caso é bom ter em conta que para os coreanos "Líder" é mais que um individuo, mas por via das dúvidas é bom lembrar que num Partido Comunista o Secretário Geral responde ao Comitê Central, não o contrário. O líder representa o Partido, não o contrário. Nesse discurso ele fala da liderança hegemônica como condição necessária para o Partido e etc, porém a liderança se revela no seio do conflito. Lenin teve que enfrentar Bogdanov antes de 1910 e boa parte do Partido que foi criado pelas ideias dele em 1917. Stálin enfrentou esquerda e direita para se consolidar dentro do Partido, e só se tornaria realmente incontestável depois da Guerra Mundial que fortaleceria sua imagem e enfraqueceria a estrutura do Partido(desorganização, morte de quadros, maior militarização, etc). Kim Jong Il afirma em um artigo do Rodong Simun de 25/12/1995 que "a moral comunista encontra sua maior expressão na lealdade ao líder" e em várias ocasiões fala que essa lealdade caracteriza o comunista. Esse é mais uma "exclusividade" dos coreanos. Lenin disse que "nossa moral está completamente subordinada aos interesses do proletariado na luta de classes", sintetizando bem uma ideia inerente ao movimento comunista e já expressa no Manifesto - o comunista deve ser leal aos interesses históricos do proletariado. O marxismo se pergunta quais são as raízes desse culto ao líder, sua função na sociedade coreana - dizer que é "delírio coreano" é insatisfatório pois isso é produto do processo histórico. Esse culto ao líder na Coreia do Norte, que adquire amplas dimensões ideológicas(ou seja, vai bem além de Lenin, Stálin ou Mao) e pode ser compreendido pela situação internacional no qual surgiu e se mantém(conflito sino-soviético, pouco apoio do exterior e cerco). Vejo como uma forma de bonapartismo, pois existe uma burguesia nacional porém frágil demais para exercer qualquer dominação; é produto de uma estrutura de classes frágil e de um campesinato amplo, afinal os camponeses, base da luta guerrilheira, são um ótimo apoio para caudilhos. A necessidade do "GRANDE LÍDER" vem diretamente do já explicado coletivismo, da "burguesia socialista", da estrutura de classes da sociedade coreana. Isso tudo além da fragilidade teórica do Partido, a tradição, a forte influência do confucionismo e a guerra que assentam esse culto. Na Venezuela antiga oligarquia perde espaço, surgem formas de participação popular e um caudilho ganha mais e mais poder ao passo que fica mais e mais importante para o processo, e aqui novamente uma comparação com a Líbia também seria cabível. Como em Cuba temos uma vanguarda guerrilheira que ao se deparar com a nulidade da burguesia nacional em relação ao imperialismo se vê praticamente obrigada ao se identificar com as classes mais pobres - nacionalismo revolucionário e populista do Terceiro Mundo produto da impotência da burguesia nacional frente a rapina imperialista, e que no caso se pintou de vermelho devido a aproximação com os comunistas coreanos e o suporte das tropas soviéticas - o contexto da nascente Guerra Fria é fundamental. Kadafi, que esteve no campo de influência da URSS, por pouco também não "virou comunista", não o fez porque não havia um movimento comunista consolidado na Líbia para ele se apoiar no pós-revolução).
Se não é marxista, porque você apoia?
Olha, eu não sou o Papa, não apoio governo tendo como critério a adesão deste a minha Igreja. Pode ser um problema para a direção, porque a concepção que se desenvolveu sob o leninismo é de que a revolução é dirigida conscientemente por aqueles que conseguem interpretar as forças sociais e as tendências da história, estes que por sua vez a Ideia Juche, se não nega, subestima com o seu "o homem pode tudo" Me opor a uma experiência histórica por ela não ter personagens marxistas a sua frente é no minimo um tanto antimarxista. Marxismo é analisar as relações materiais de produção, o desenvolvimento das forças produtivas e a correlação de forças, as contradições de classe, e assim, depois da análise com bases nesses fatores, formular sua posição. A história caminha independente da vontade dos líderes marxistas, quer dizer, uma posição como essa que eu nego é recuar a ideia de que a história é feita meramente por lideranças - uma ideia extremamente primitiva. Eu apoio a RPDC pelo fato dela representar resistência frente a ordem mundial controlada pela elite das transnacionais, pelos apostadores das finanças e os senhores dos bancos. Sou pelo direito do povo coreano optar não sofrer com inflação e desemprego por culpa de meia dúzia de especuladores como ocorreu na Coreia do Sul em 1997. "Marxismo" ou "ser marxista" não é critério político.
Existe uma monarquia na Coreia do Norte?
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